domingo, 28 de agosto de 2011

JOÃO BORGES - Pele, papel e poesia por António Carlos Cortez - JL de 24 de Agosto a 6 de Setembro de 2011

Um livro singelo, sóbrio, com um belo grafismo e desenhos extremamente sugestivos. As figuras um tanto-quanto andróginas, convidam-nos a uma leitura atenta que se reinicia na epígrafe, de Lídia Jorge, e que encima este belo objeto estético. Diz essa epígrafe: "Não é porque alguém chama que alguém responde" Justamente estas palavras ecoam nos poemas de João Borges que parecem ser motivados por uma procura, por uma audição de alguém que, na verdade, se sabe longe. São poemas que revelam - e tomara que a restante crítica desse por este livro e se pronunciasse, de forma justa e verdadeira - um poeta. Uma voz que deve chegar a mais leitores da nossa poesia actual.
O poema que funciona como prefácio coloca como tónica a construção de uma personalidade poética insaciável. Uma personalidade que faz da escrita o palco onde irá expor-se:"Estou sempre com sede e nunca me canso de beber". A primeira secção deste breve livro tem oito poemas, todos eles tensos, enigmáticos e com uma imagética forte e uma construção metafórica que, em alguns momentos, sugere a leitura de Luís Miguel Nava ("As pedras que acendem / entram e saem da minha pele, / deixam feridas. // A fogo rasgam as veias. // Atiro a escuridão para /a rua. Esmorece a paisagem, flui o desejo. / Posso avançar/sobre trevas" (p.13)). É de facto, uma poética da pele, do fogo, de um erotismo apaixonado mas que se vive às escuras, numa espécie de transe para o qual não há saída existencial concreta. Por isso o tom de segredo, de diário oculto que às ocultas tivesse sido escrito. Nessa escrita sobre a paixão, o poema surge como objeto de reconhecimento do próprio sujeito, procurando-se uma definição do rosto, do corpo e das memórias de um amor louco e onde se pode perceber a lição de Breton e Eluard, para além de certa atmosfera passional que nos remete para Botto e mesmo para um certo Biedma. Escreve João Borges versos que denotam (e conotam) a fúria da escrita que irrompe depois da paixão e na reminiscência do vivido: Quero o orvalho mais vivo. Toma / esta pedra que não vês ,/ mas que eu sinto. // Finalmente, atirei-te contra / a cama, louco. A vida / acontecia, o amor mostrava / o rosto. Néons incendiavam / as ruas e nós, um no outro, / até ao fim. Respirávamos / palavras, esperma, sangue. / (...)" (p.15).
João Borges selecciona um léxico impressivo (facas, fogo, pedras, precipício, sangue, inferno, delírio, deserto) e num dos poemas que funcionam como possível arte poética, "O nome está no ruído", misturam-se a tonalidade autobiográfica com um fingimento que não se exime a fazer o relato não do que aconteceu, mas do que se pressente, do que é tangencial à ficção, ao olhar delirante do sujeito:" O nome está no ruído / que desmorona noite dentro. / A chuva corrói a pele / em pleno deserto" (p.19). A tentativa de fixar, em moldes de realidade, o amor e o sexo, propicía uma segunda secção (com 18 poemas) em que se relata o início, o climax e o fim desse amor-paixão
Raras vezes um poeta tem a ousadia de se mostrar assim num primeiro livro. Romanticamente, mas sem ceder a um discurso lacrimejante, Borges não esquece que a poesia nasce e tende ao lirismo. Esta é uma palavra perigosa. Mas está na hora de deixar de lado preconceitos críticos e pretensiosos. Lírica é esta poesia: fortemente lírica, densa, intensa, escrita com consciência da verdade íntima do que se viveu e que, na linguagem se revive, desejando "escorregar pelas escarpas" depois do desencontro a que todo o amor - paixão está votado. Título deste primeiro livro? Programático: Ao Vento em Terramotos.

JL












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